segunda-feira, 09/06/2025
Barra dos Coqueiros
A Barra dos Coqueiros é, de fato, uma ilha? Foto: Só Sergipe

A península que virou ilha 381e6p

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Por Tarso Vilela Ferreira (*)

 

A cidade de Barra dos Coqueiros, na qual decidi morar com minha família, é rica em sua história. Desde que me mudei para cá, depois de quase duas décadas residindo na também bela cidade de Campina Grande/PB, sinto-me curioso acerca das origens do município, das suas tradições e dos relatos do ado que ouço dos concidadãos.

De fato, não se restringem ao presente minhas andanças pela Barra, como o município é chamado carinhosamente pelos sergipanos. Mesmo enquanto residia na Paraíba, sempre vinha durante as férias visitar meu saudoso avô Luiz Tarcísio, que morou aqui boa parte da vida com sua segunda esposa Conceição Moura, nascida nesse lugar. Ouvi deles e de outras pessoas daqui histórias maravilhosas, como a “da noite em que Dom Pedro II, em visita à capitania de Sergipe d’El-Rei e hospedado em Aracaju, ao perceber o batuque e as fogueiras do outro lado do rio Sergipe, foi informado de que se tratava de uma festa. Pegou carona às escondidas em uma canoa e veio ver com os próprios olhos que gente festeira e animada era aquela”.

A curiosidade despertada por histórias populares como essa somou-se a uma questão que, de vez em quando, ouço em rodas de conversas com os amigos: a Barra dos Coqueiros é, de fato, uma ilha? Espremida entre o Rio Sergipe e o Oceano Atlântico, de frente para a Capital Sergipana, a Barra dos Coqueiros foi, no ado, chamada “Ilha de Santa Luzia”. Se não é uma ilha, mas sim uma península, porque há ainda quem a chame de ilha? É comum o uso do termo em conversas e também na linguagem escrita, conforme visto em apanhados históricos realizados por órgãos oficiais, como o IBGE (1963), ou no próprio site da Prefeitura Municipal da Barra dos Coqueiros (2020)

Na dúvida, no mesmo dia que me mudei para cá ei, bem humoradamente, a me autodeclarar “ilhéu” e falar “ir ao continente” em vez de “ir a Aracaju”. Paralelamente, comecei a pesquisar e procurar meios de compreender melhor a questão. A primeira ideia que tive para tirar a dúvida foi talvez a mais objetiva que qualquer um teria, na atual era da informação: vamos olhar em imagens de satélite na internet. 

Na figura abaixo vê-se o município da Barra dos Coqueiros com seus limites realçados em vermelho.

Conforme relatado em documento na Biblioteca do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1963):

O Município estende-se em direção SE-NO, ao longo do litoral atlântico. Vários rios descrevem-lhe a fronteira com os Municípios vizinhos: o Sergipe (navegável), com o de Aracaju, a leste; o Pomonga e o canal do mesmo nome, na direção SE-NO, com o de Santo Amaro das Brotas; e o Japaratuba, ao norte, com o do mesmo nome.”

Assim, acompanhando o contorno vermelho apresentado no mapa, percebe-se que a fronteira noroeste do Município é composta pelo Rio Pomonga e seu canal, que em conjunto fazem a conexão entre o Rio Sergipe e o Rio Japaratuba. Desta análise já se percebe que a Barra é limitada, em todo seu perímetro e por todos os lados, por rios, canais, ou pelo Oceano Atlântico. Para compor o convencimento, basta-nos relembrar o que está no dicionário (neste caso específico, embasei-me no Michaelis): “ilha” é uma “porção de terra com área não tão grande quanto um continente e cercada de água por todos os lados”. Outra evidência clara desta condição é que, para deixar a Barra dos Coqueiros e ir para um município vizinho, é preciso ar por uma das três pontes que cruzam os rios Pomonga (sentido Santo Amaro das Brotas), Japaratuba (sentido Pirambu) ou Sergipe (rumo à capital do estado).

Não exatamente surpreso com a informação da existência de um “canal”, dado que tinha conhecimento que existe na região norte da Barra o “Povoado Canal”, resolvi analisar melhor o mapa. Percebi que em alguns trechos o curso do Rio Pomonga aproxima-se muito de uma reta, coisa muito rara em um rio de calha natural. Observei ainda que o rio Pomonga (e seu canal), em determinadas regiões do mapa, parecem não ter largura superior a uma dezena de metros. Este detalhe pode ser observado na figura abaixo, fotografia de satélite do Povoado Touro, que margeia o Pomonga.

Imagem capturada no Google Maps

Aprofundando-me nas referências disponíveis, pude compreender melhor as razões destas particularidades. Conforme coloca Acacia M. B. Souza em sua dissertação de mestrado, publicada em 2015:

“…o Pomonga, possui um significado histórico de notável importância para o Estado de Sergipe, uma vez que foi palco de um trabalho de engenharia – a construção do canal artificial para interligar a bacia hidrográfica do rio Sergipe à bacia do rio Japaratuba para o escoamento da produção de cana-de-açúcar – na época do Brasil Império, sendo inclusive visitado pelo Imperador Dom Pedro II.” 

Como se trata de uma intervenção humana, pode-se perceber as razões pelas quais o Canal do Pomonga parece estreito e pouco sinuoso, comparativamente a um rio natural.

No artigo “A importância sócio-econômica do Canal do Pomonga” publicado por Claudomir T. da Silva e Carina T. Bispo  em 2013 no “IV Encontro Sergipano de Educação Ambiental” pude ainda descobrir mais: o canal de 32 km de extensão foi fruto de uma lei provincial datada de 16 de março de 1835, que autorizava o Presidente da Província a abrir um canal através do Pomonga, ligando o rio Sergipe ao rio Japaratuba. Ao longo dos anos serviu também para o transporte de ageiros e outros produtos.

Existem ainda documentos da época do Brasil Império, como os “Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro 1881-1882, Volume IX”, nos quais relata-se que o canal foi construído durante a istração de Manoel da Cunha Galvão, Presidente da então Província de Sergipe, e projetado pelo engenheiro civil Eusèbe Stevaux.

Para minha surpresa, não apenas me convenci de que a Barra é de fato uma ilha, como também uma ilha “artificial”, dada a intervenção humana necessária para colocá-la nessa condição, e que, provavelmente, foi a maior obra de engenharia em Sergipe durante o Império.

A Barra dos Coqueiros foi esculpida pela natureza como uma península. Mais tarde, pela mão do homem, foi transformada em ilha. As suas lindas praias e outras belezas naturais, bem como a hospitalidade de seu povo, no entanto, são constantes e disponíveis até os dias de hoje, para quem desejar conhecer e se encantar.

 

____________________

Referências

IBGE. Barra dos Coqueiros – Sergipe. Coleção de Monografias, Série B, nº 42. o em 05 de julho de 2021. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/114/col_mono_b_n42_barradoscoqueiros.pdf

SAI Notícias, Prefeitura Municipal da Barra dos Coqueiros, Secretaria de Comunicação Social. Ambientalistas fazem expedição e relembram a agem de D. Pedro. o em 05 de julho de 2021. Disponível em: https://www.barradoscoqueiros.se.gov.br/site/CategoriaNoticias/11

Dicionário Michaelis on-line. Ilha. o em 05 de julho de 2021. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=ilha

GOOGLE MAPS. Barra dos Coqueiros, Sergipe. o em 05 de julho de 2021a. Disponível em: https://www.google.com.br/maps/place/Barra+dos+Coqueiros+-+SE/@-10.847646,-37.0192866,27520m/data=!3m1!1e3!4m5!3m4!1s0x71ab49986aaf03b:0xcbb7885a85064383!8m2!3d-10.9078896!4d-37.026904?hl=pt-BR. o em: 21 jul. 2019.

GOOGLE MAPS. Barra dos Coqueiros, Sergipe. [S. l.], o em 05 de julho de 2021b. Disponível em: https://www.google.com.br/maps/place/Barra+dos+Coqueiros+-+SE/@-10.7605726,-36.8916636,391m/data=!3m1!1e3!4m5!3m4!1s0x71ab49986aaf03b:0xcbb7885a85064383!8m2!3d-10.9078896!4d-37.026904?hl=pt-BR. o em: 21 jul. 2019.

Souza, A. M. B. Análise geoambiental da sub-bacia do Rio Pomonga em Sergipe. Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2015. o em 05 de julho de 2021. Disponível em: https://ri.ufs.br/bitstream/riufs/5501/1/ACACIA_MARIA_BARROS_SOUZA.pdf

da Silva, C. T.; Bispo, C. T., A importância sócio-econômica do Canal do Pomonga. o em 05 de julho de 2021. Disponível em: https://tribunadapraiaonline.webnode.com.br/news/artigo%3A-a-import%C3%A2ncia-socio-economicca-do-canal-do-pomonga/

Bibliotheca Nacional. Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro 1881-1882, Volume IX. o em 05 de julho de 2021. Disponível em: http://memoria.bn.gov.br/DocReader/402630/30950

Biografia do Autor  4q2l5p

* Tarso Vilela Ferreira é professor no Departamento de Engenharia Elétrica na Universidade Federal de Sergipe (UFS). Natural de Aracaju, Sergipe, nasceu em 1980 e estudou no Colégio de Aplicação da UFS e na Escola Técnica Federal de Sergipe (ETFSE, atualmente IFS). Seu bacharelado, mestrado e doutorado, todos em engenharia elétrica, foram obtidos no Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Campina Grande, onde foi professor por 9 anos. Apesar da formação em engenharia, sempre se afeiçoou pelo jornalismo, pela história e pela contação de causos.

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Um comentário 1c2o28

  1. Texto maravilhoso… obrigado, caro amigo Garcia, colega jornalista, editor deste portal noticioso referência em Sergipe. Que tenhamos um fim de semana feliz e uma semana próspera e repleta de felicidades!!

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