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O Grupo Escolar Sílvio Romero na minha trajetória de vida k2i4e

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Professor Josué da Silva Mello (*)

Não me canso de confessar. Sou apaixonado por minha cidade. Anuncio com orgulho que nasci em Lagarto, precisamente no povoado das Caraíbas e, antes de completar um ano, nossos pais – Benício de Mello Fontes e Josepha da Silva Mello Fontes – se transferiram para um sítio num lugarejo denominado Horta, mais próximo da cidade, apenas três quilômetros de distância da Praça Sílvio Romero. Lá vivi minha infância e adolescência. Do berço do lar e do berço da “polis” construí os alicerces que marcaram minha trajetória de vida, a ser contada, em livro, pelo historiador e escritor lagartense Dr. Claudefranklin Monteiro, sob o título:  “O poder libertador da escola na trajetória de vida de Josué da Silva Mello”.

No Grupo Escolar Sílvio Romero, entre 1945-1948, cursei os quatro anos do ensino primário e participei da solenidade de formatura, com roupinha branca e gravata borboleta, como orador da turma, representando os demais formandos. A emoção só não foi mais forte porque aquela primeira formatura vinha com a sentença de ser a última, porquanto naquele momento era o que a cidade poderia oferecer para as suas novas gerações.

Há de se reconhecer, no entanto, que a oferta representou um avanço extraordinário. Das escolas isoladas, multiseriadas, para uma nova concepção de educação, mais sistêmica, com currículos definidos e adaptados às circunstâncias regionais, valorizando a matemática e, sobretudo, a escrita, a leitura, tendo como livro texto, a famosa Crestomatia, compêndio que reunia textos resumidos de autores brasileiros, como Machado de Assis, Ruy Barbosa, Sílvio Romero, Raquel de Queiroz, Tobias Barreto, Castro Alves, entre muitos. Textos que eram lidos em voz alta, treinando a dicção, a pontuação e a compreensão do que estava sendo lido. Além do mais, o empenho dos professores na aplicação da pedagogia da aprendizagem, demonstrando modernidade e zelo com o processo de construção da cidadania e de uma sociedade deveras republicana.

O projeto de Grupos Escolares emerge de uma sociedade em processo de grandes transformações sociais, políticas e econômicas e no bojo do movimento Escola Nova, consubstanciado, posteriormente, no Manifesto dos Pioneiros da Educação, lançado em 1932, por Fernando de Azevedo, Carneiro Leão, Hermes Lima, Anísio Teixeira e outros. Desde a década de 1920, vivia-se, no Brasil, a efervescência de novas ideias, que apontavam a educação como o canal capaz de propiciar as transformações necessárias para o país e de assegurar o seu pleno desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida das pessoas.

Nesse cenário, o governador Graccho Cardoso de Sergipe, capta os sinais de mudança de sua época e assume a vanguarda da educação no Estado construindo, inicialmente, 11 Grupos Escolares, sendo um na capital, Aracaju, e 10 nas maiores cidades do interior, como Lagarto, Simão Dias, Estância, Boquim, Capela, São Cristóvão, Itaporanga, Laranjeiras, Propriá e outras. O Grupo Escolar de Lagarto, ostentando maiores requintes, recebeu o nome de seu filho ilustre, o intelectual Sílvio Romero e foi inaugurado em 23 de dezembro de 1924. Todos os Grupos Escolares construídos seguiam o mesmo projeto arquitetônico, apenas com algumas adaptações; prédios lindos com a fachada de palácio, ou de Templo – Templos da educação, da sabedoria – tendo na parte superior da fachada a figura da águia como símbolo, pássaro que se destaca por enxergar longe e voar alto. Por muito tempo perdurou como o prédio mais bonito da cidade de Lagarto, refletindo a importância dada à educação naquele período histórico.

Ao longo de 40 anos, o Grupo Escolar Sílvio Romero viabilizou educação primária de qualidade e serviu a milhares de crianças e adolescentes lagartenses. Eu fui grandemente beneficiado. Posso dizer que ali recebi a régua e o como, inspiração para voar, incentivo para a continuidade dos estudos e a base de minha formação acadêmica. Base tão sólida, que depois de cinco anos de interrupção fui aprovado, de primeira, no exame de issão do Colégio Dois de Julho, reconhecido na época como o de melhor padrão educacional, entre tantos do setor privado da capital baiana.

Aliás, sempre analiso Lagarto como uma cidade pedagógica, uma cidade educacional. A sua história, o seu processo de urbanização, a sua religiosidade, sua cultura e seu folclore e, sobretudo, seus símbolos expressam lições verdadeiras que fazem do lagartense um cidadão diferenciado. E são muitos e fortes os seus símbolos. Além dos contidos na bandeira, no brasão, no hino, destacam-se, entre tantos, o lagarto – símbolo da amizade, da benevolência, da razão, da procura da luz; o galo da torre das Igrejas da Piedade e do Rosário – ave que acorda cedo e chama os obreiros para o trabalho e a águia do Grupo Escolar, ave que enxerga longe e usa as asas para voar alto. Todos eles transmitem lições preciosas que resultam na construção de uma cultura própria lagartense e na formação de seres humanos diferenciados, no universo nordestino e brasileiro.

A cidade de Lagarto e o seu Grupo Escolar Sílvio Romero fazem parte de minha história de vida. Tenho por ambos o maior respeito, a mais pura gratidão. Por isso, sempre que voltava a Lagarto no período de férias, a primeira visita que fazia era ao meu saudoso Grupo Escolar. E saía abraçando as paredes do prédio e minha mãe surpresa dizia: “Meu filho, não faça isso, pois as pessoas que am podem achar que você está doido”. Era a forma que encontrava de expressar apreço e gratidão à instituição que me ensinou a enxergar mais longe e usar o corpo e a mente para trilhar os caminhos da educação. E como ficava triste quando via aquele “Templo da Educação” abandonado, inutilizado e ameaçado de destruição.

Portanto, não será difícil para os meus conterrâneos entenderem minha profunda alegria e felicidade com a notícia que li na imprensa sergipana: que dois FÁBIOS se juntaram – Fábio Mitidiere, Governador do Estado e Fábio Reis, Deputado Federal – e am ordem de serviço para promover ampla reforma de nosso imponente e lindo prédio centenário, que por mais de 40 anos abrigou o Grupo Escolar Sílvio Romero. E depois de reformado, constituir-se sede da Academia Lagartense de Letras e da Casa da Cultura de Lagarto. Parabéns, governador; parabéns, deputado. Os ex-alunos do Grupo Escolar, os amantes das letras e da cultura, o povo operoso de Lagarto, hão de reconhecer sempre a sábia decisão dos dois legítimos políticos sergipanos.

 

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(*) Licenciado em Filosofia e Sociologia – Mestre em Educação. Presidente do Instituto de Educação e Desenvolvimento – INED, responsável pela criação e implementação do SIM – Serviço de Integração de Migrantes; Ex-Reitor da UEFS, Professor titular de Ciência Política da UEFS; ex-Diretor Geral da FTC e da Faculdade 2 de Julho; ex-membro e vice-Presidente do Conselho Estadual de Educação; Secretário Municipal de Educação em Feira de Santana; Presidente da Academia de Educação e membro da Academia de letras, do IGH de Feira de Santana; membro do IGHBA, da Academia de Cultura, da Academia de Educação da Bahia e da Academia Nacional de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais.

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